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sábado, 8 de agosto de 2009

por Sabrina Telles
O pra sempre é eterno
A vida é um recorte de tempo. Pensava sobre isso após riscar uma caneta com um papel outro dia desses. Aquele traço no canto da página para testar a utilidade do objeto ("pra ver se tá prestando"). Um traço impensado e agressivo. Pensei em algo que nunca havia pensado, talvez pela obviedade da reflexão: aquele traço durará para sempre. Se ninguém destruir o papel, o traço não desaparecerá. Que incrível! Não há nem emoções, mas aquele traço tem o que todo ser gostaria, ao menos por um instante, de experimentar: eternidade.
Caetaneamente, o Tempo é um senhor bonito, compositor de destinos. Entrego-me apaixonadamente a essa ideia e nem sei de fato o que é o tempo ou a eternidade. Mas o traço que o papel riscou sabe, ele conhece intimamente o Tempo. O Tempo compôs o destino dele presenteando-o com os acordes da eternidade.
Isso tudo isso me transportou à infância - à do traço não! à minha, pois aquela quem criou fui eu e o papel e esta foi minha mãe e a Bahia. Na minha infância, pronunciei e escrevi tantas vezes o "pra sempre". Para ídolos infantis, para amiguinhas da escola, para parentes em datas comemorativas. Há algum tempo pensei que fosse leviandade, mas não acho mais tanta. O "pra sempre" existe. O compositor de destinos permite sua existência. Se durante aquele momento o "pra sempre" existiu, sempre vai existir!, porque aquele momento sempre vai ter acontecido. Como a Invasão do Brasil pelos portugueses e o meu ano passado que durarão para sempre, pois nunca vão deixar de ter acontecido.
O traço é um sábio da soberana História. Ele entende, com perfeição, que o "pra sempre" é eterno. E que nossa vida é apenas um recorte, um recorte de tempo que o Tempo nos doou. Um pedacinho minúsculo. Mas suficiente. A vida é infinita: não é eterna, posto que é chama, mas infinita enquanto dura. Vinícius não nos disse algo assim sobre o amor? Pois bem, considero verdade.
Pensei agora: "Eu criei o eterno?" Aos risos, respondo: "Isso sim é leviano!" Que boba fui a cinco segundos atrás! Se eu não criasse o traço, outro criaria junto com o papel! Sou elemento tão dispensável nessa composição, tão dispensável!
E se com sucessivas passagens de traiçoeiros ventos, o traço for sumindo, sumindo, sumindo?... Não... ele continuará ali, ele é mais e melhor que qualquer vento. Estará apenas invisível ao nossos olhares. Ao nosso olhar. Olhar humano que quer dominar, que é ousado, pseudo-autoritário, que tenta seduzir todos os objetos. Olhar que quer ser o Tempo, e nem sequer pode ver a eternidade do traço. Este que é azulzinho como a linha do horizonte ao dividir o céu do mar em uma tarde de bossa nova. E pequeno. Porém mais duradouro que efêmera vida que nos foi recortada.
Obrigada, Tempo.
Queira assistir: Oração ao Tempo

3 comentários:

  1. "Se lembra quando a gente chegou um dia a acrditar que tudo era pra sempre, mesmo sem saber que o pra sempre sempre acaba?"
    Então respeitemos o Tempo e façamos do nosso futuro o resultado de nosso presente...

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