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terça-feira, 8 de maio de 2018

de Sabrina Telles

Canela

Consegue com os silêncios o caos que não conhecia, que não sabia que tinha em si. 
Pés, mãos, joelhos não acompanham e criam um descompasso entre corpo e pensamento, que se mistura com indecisões, impossíveis, vazios. Tenta preencher. Mas preenche com o que não é, 
Com o que nem sabe ser.


Sonhos se vão pelos dedos sem pressa, deixando rastros difíceis de limpar. 
Quando assopra, em uma tentativa inútil de afastá-los, formam uma nuvem espessa que atinge vias aéreas, poros, cílios; cujo pó vai se alojando lentamente, sem pudor. O mundo está aí, nessa nuvem: o sentimento do mundo, Ao mesmo espaço, é doce e amargo, sólido e ar, e se organiza desenhando caminhos. Mas não sabe seguir; não enxerga, ao menos, se deve por ele se guiar ou permanecer platonizando 
(para que nunca se vaya de mí, para que nunca amanezca).

Tentam convencê-la de que ultrapassar é esvair, é entregar nobreza ao acaso, é perder o sagrado, o conhecido. 
Mas não vê esse perigo e permanece (em movimento). 
Continuar se prendendo traz qualquer noção que a liberta.

Os contínuos sopros ampliam a nuvem castanha. 
Todas as possibilidades de ser se fazem em infinitas cenas que não se cansam em ser exibidas. 
Arrebentam qualquer outro sentido de pensamento, se espalham, se sobrepõem umas as outras, se roteirizam.

Apodera-se desse gosto amadeirado, como se desconhece que ele é de muitos, que ele é anterior a si; que, há séculos, homens por ele travam impasses, gastam vidas, vão além. 
Apodera-se dele, por ele, através dele. 
Passa então a consumir tudo que é mais seu nos transitáveis mundos, insaciavelmente. 
Mas não pela simples nostalgia, não pela imersão em alguma tentativa de retorno ao ser de antes... não não. 
É porque se entende no tempo agora.
 É porque ser ela mesma ilumina o que a circunda e pincela de dourado seu rosto e os outros. 
Ser ela mesma é o único entendimento que a faz caminhar.


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