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segunda-feira, 26 de setembro de 2011

por Sabrina Telles

Momento bobo de vírgulas e interrogações
que não posso ignorar

Dois dias e meio atrás, como se fosse díficil pertencer a meu próprio corpo, eu flutuava passo a passo de volta pra casa, em um estado pós Clarice de existir, em que até do tempo já tinha perdido a noção, só sabia que era noite e que era eu. Quando passei como uma a mais no meio de todos os outros uns a mais, ligeiramente com fome, carregando o peso do jeans, distraída em pensamentos, meus pés se retardaram... os ruídos se calaram... as cores se vangoghizaram...
                                                                    Você, sentado, calado, encostado na janela do carro, eu vi o cansaço. Era mesmo você? Eu passei sem poder ter certeza, sem poder impedir que me reconhecesse, sem poder evitar minha vulnerabilidade, já fazia tanto tempo que tinha te esquecido em mim, mas estava lá e eu sabia. Era mesmo você? Talvez, a anestesia de ter lido certas palavras certas tenha te inventado em alguns segundos. Talvez, simplesmente, a necessidade de me ver através de olhos que não são meus tenha me emprestado um objeto pra direcionar minhas sensações naqueles segundos, que eram tão enormes que não cabiam em mim. A verdade é que, mesmo com a distância, mesmo sem tanta intensidade mais, nunca consegui apagar suas reticências. Era mesmo você?

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

por Sabrina Telles

De novo, amanhã
(Retrato de um final de dia)

- para Livinha e Pathy -

O céu escurece conduzindo as palavras de um dia a mais. E os sons se misturam às luzes que aparecem uma a uma - e às estrelas. Tudo vai sinalizando e a preocupação do céu é soprar para amenizar o cansaço. Enquanto venta uns fios frios, o laranja vai sumindo. Tudo mais uma vez.

Tudo passa, e anda, e corre, e voa como se uma força autônoma tivesse criado engrenagem em estrelas, em nuvens, em carros, em luzes. Até seu corpo não é mais seu, se anestesiou com o dia. O peso e o prazer são igualmente partes do dever de viver em si. "Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é".

A beleza não é mais dos olhos ou está nas mãos. Não lembra nem que beleza existe, o movimento é padrão. Enquanto venta uns fios frios, enxuga-se a dor de não poder escolher o que constrói de si. Aguenta mais um pouco, tá? Faltam apenas alguns passos. Não se preocupe!

Depois de ter o mundo deitado em sua cabeça, tira o pano enrolado em forma de círculo que não o deixou desequilibrar. Tira o pano, tira o lenço e descalça os pés já descalços: alívio. Experimenta o amor. (Quem será que ama mais? Quem luta pra se conformar, ou quem nem sabe que há conformidade e só luta? Quem chora mais? Quem é que sonha mais? Eu não sei, eu mal conheço o mundo.)

E mais tarde... Ah, amanhã... De novo, as luzes se apagam e as cores reacendem com a mesma intensidade. Uma coragem se espalha por todo corpo silencioso, obediente. É uma "força que nunca seca". Cria-se o mundo, monta-o de novo equilibrado no pano enrolado sobre a cabeça e sai.

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