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segunda-feira, 24 de agosto de 2009

por Patrícia Soares
Dois Corpos
U
m puxão após um grito.
Dois corpos se juntam.
Um mostra-se protetor.
O outro, protegido.
Dez segundos.
Susto; medo; calma.
O gesto prolonga-se.
O porquê inicial é deixado de lado.
Não há mais um protetor, nem um protegido.
Apenas dois corpos unidos pelo acaso.
Ou não.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

por Sabrina Telles
Sou afrodescendente. Não trago essa marca na cor da pele, nem dos olhos nem do cabelo. Mas sou afrodescendente: sou brasileira.
Sinto como se não pudesse brotar de outro chão. Como se não pudesse ter vivido sem atabaques, sekeres, surdos. Como se fosse extremamente pertinente e necessário ter crescido com Castro Alves/ Contorno/ Comércio. Como se o sangue misturado com dendê e farinha que percorreu gerações e gerações tivesse parada obrigatória nessas veias.
Salve a Mãe África e seu filho cujo cordão umbilical cortou-se a milhões de anos, Brasil.
Salve os meus irmãos que a 121 anos comemoram a expurgação da senzala para as favelas. Aqueles que hoje sofrem com um genocídio estatal despropositado e com a zoomorfização dentro de celas. Salve nós negros que não nos rendemos. Mesmo enquanto nossa história era registrada pela hegemonia omitindo, por exemplo, que "o homem encadernado" era afrobrasileiro. Mesmo enquanto as crianças cresciam considerando a beleza da boneca um padrão melaninas-luz de distância delas próprias. Salve. Nós vimos, sentimos e gritamos.

sábado, 8 de agosto de 2009

por Sabrina Telles
O pra sempre é eterno
A vida é um recorte de tempo. Pensava sobre isso após riscar uma caneta com um papel outro dia desses. Aquele traço no canto da página para testar a utilidade do objeto ("pra ver se tá prestando"). Um traço impensado e agressivo. Pensei em algo que nunca havia pensado, talvez pela obviedade da reflexão: aquele traço durará para sempre. Se ninguém destruir o papel, o traço não desaparecerá. Que incrível! Não há nem emoções, mas aquele traço tem o que todo ser gostaria, ao menos por um instante, de experimentar: eternidade.
Caetaneamente, o Tempo é um senhor bonito, compositor de destinos. Entrego-me apaixonadamente a essa ideia e nem sei de fato o que é o tempo ou a eternidade. Mas o traço que o papel riscou sabe, ele conhece intimamente o Tempo. O Tempo compôs o destino dele presenteando-o com os acordes da eternidade.
Isso tudo isso me transportou à infância - à do traço não! à minha, pois aquela quem criou fui eu e o papel e esta foi minha mãe e a Bahia. Na minha infância, pronunciei e escrevi tantas vezes o "pra sempre". Para ídolos infantis, para amiguinhas da escola, para parentes em datas comemorativas. Há algum tempo pensei que fosse leviandade, mas não acho mais tanta. O "pra sempre" existe. O compositor de destinos permite sua existência. Se durante aquele momento o "pra sempre" existiu, sempre vai existir!, porque aquele momento sempre vai ter acontecido. Como a Invasão do Brasil pelos portugueses e o meu ano passado que durarão para sempre, pois nunca vão deixar de ter acontecido.
O traço é um sábio da soberana História. Ele entende, com perfeição, que o "pra sempre" é eterno. E que nossa vida é apenas um recorte, um recorte de tempo que o Tempo nos doou. Um pedacinho minúsculo. Mas suficiente. A vida é infinita: não é eterna, posto que é chama, mas infinita enquanto dura. Vinícius não nos disse algo assim sobre o amor? Pois bem, considero verdade.
Pensei agora: "Eu criei o eterno?" Aos risos, respondo: "Isso sim é leviano!" Que boba fui a cinco segundos atrás! Se eu não criasse o traço, outro criaria junto com o papel! Sou elemento tão dispensável nessa composição, tão dispensável!
E se com sucessivas passagens de traiçoeiros ventos, o traço for sumindo, sumindo, sumindo?... Não... ele continuará ali, ele é mais e melhor que qualquer vento. Estará apenas invisível ao nossos olhares. Ao nosso olhar. Olhar humano que quer dominar, que é ousado, pseudo-autoritário, que tenta seduzir todos os objetos. Olhar que quer ser o Tempo, e nem sequer pode ver a eternidade do traço. Este que é azulzinho como a linha do horizonte ao dividir o céu do mar em uma tarde de bossa nova. E pequeno. Porém mais duradouro que efêmera vida que nos foi recortada.
Obrigada, Tempo.
Queira assistir: Oração ao Tempo

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